quinta-feira, 24 de julho de 2014

Eva Green

Eva Green mexe comigo. Falsa magra. Beleza sutil que ilumina mas não cega. Sua atração é completa pelo que emana de seu carisma e inteligência. Falsa magra. Olhos azuis enormes que vêem tudo e escondem muito. Olhar penetrante e emoções à flor da pele.  Uma inteligência que enrijece os bicos de seus peitos generosos. Franco-inglesa. Testa grande e cabeça oval. Perspicaz. Triste porém simpática. Aberta o grande prazer da conversação. Alta. Morena. Cabelos Longos. Nada tem contra blockbusters mas só faz o que acredita. Não teve filhos e se aproxima dos 40. Eva Green mexe comigo. Usando corpete na Inglaterra Vitoriana. Espiã. Morena de tez branca. Sorriso leve cheio de subtextos. Revolucionária. Existencialista. Vilã arrependida. Pernas longas. Pescoço que hipnotisa. Pitonisa. Ambiguidade moral. Falsa Magra. Rainha de Jerusalém. Camponesa. Feiticeira. Conexão com outras dimensões. Fúria Assassina. Flutua na sala. Francesa. Inglesa. Eva Green mexe comigo.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

pílulas de flashback

   Gosto de correr os olhos pelas laterais dos meus livros já lidos. Me faz lembrar de seus conteúdos e das épocas em que os li. Acessar pastas antigas, reconectar sinapses. Relê-los é mais raro. Assistir filmes de novo depois de muitos anos provoca uma sensação mais sensorial, me atrai mais. Ok, é mais fácil e bem mais rápido. Há tanta coisa que não li e quero ler, é raro eu reler um livro. Com exceção de Catatau, de Paulo Leminski, que releio a cada 10 anos.  O clima delirante, os  neologismos e a mistura de linguagens no fluxo de pensamento desse romance poético muito louco me inspiram para fazer música.  Evoca o que teria acontecido se René Descartes tivesse vindo com a Invasão Holandesa em Pernambuco, no Séc 17. O Filósofo pensa e existe no livro.  Pira com as cores no Brasil, suas matas, cachoeiras, pássaros, frutas. Faz uso de fumos locais, que dizem ter propriedades alucinógenas e prova seus efeitos por paredes de linhas sem pontuação.  Agora assisto Pulp Fiction pelo Netflix. Era tudo tão diferente a primeira vez que assisti. A nostalgia trouxe um outro sabor, a consciência das particularidades dos anos 90, no final do século XX. O filme tem estilo e ritmo. Telefones de discar.  Um amanhecer ensolarado em Los Angeles, que não conheço. Twang-Bar Guitars com reverbs de mola. Injeção de adrenalina no coração. Carrões rabos-de-peixe. Roteiro não-linear. Vida que segue. E vamos nessa.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Musicais

   Temos visto de dez anos para cá um crescimento exponencial do mercado de Musicais no Brasil. Inicialmente somente franquias estrangeiras e aos poucos textos originais, cada vez mais frequentes. Quanto à música, quase não se arrisca material original, a maioria dos espetáculos confia somente na ressonância no público de canções já conhecidas. O mercado aquece, mão-de-obra consegue emprego e isso é ótimo, mas a sensação de dèjá vu impera. Remakes de outras mídias e outras épocas são transpostas para esse peculiar formato onde no meio de uma conversa entre personagens  uma frase faz mudar a luz e de repente estes começam a dançar e cantar, seguidos pelos figurantes, garçons, policiais e babás, como se abrisse um portal para outra dimensão. Baseando-me nessas premissas, humildemente enumero algumas sugestões para musicais:

Pixote - O Musical
Bin Laden - O Musical
Presos em Guantanamo - O Musical
Maluf, o Construtor de ilusões - O Musical
Taxi Driver - O Musical
AI-5 - O Musical
Sexta-Feira 13 - O Musical
Rio Centro, Um Musical Explosivo
The Walking Dead- O Musical
O Rebuceteio - O Musical
Esperando Godot - O Musical
Saló - O Musical
Bilionários do Brasil - O Musical
Cantareira - O Musical
O Anjo Exterminador - O Musical
Apocalypse Now - O Musical

e o Grande Finale:
-Brasil X Alemanha - O Musical

quarta-feira, 16 de julho de 2014

"bom dia"

   O daydreaming, os insights espontâneos e outros anglicismos tão familiares não batiam mais à sua porta. Tudo fora substituído por maquinações do cotidiano. Sua imaginação outrora delirante se arrastava cansada pelo chão, assim como suas metáforas. Obsessão por opiniões alheias nada mais são que provas de vaidade. Se a inveja é uma merda, a vaidade o que seria?
   Lembrou de Moebius e seus castelos espaciais e monstros voadores.
 

sábado, 12 de julho de 2014

FLASH URBANO n.9 - Minhão

Vruuuuuum. Minhão. Passou c'minhão. Entrou no meu sonho. Sonhava com mãe. Hoje frio, ontem calor. Roubaram meu cobertor. Vruuuum. Mais c'minhão. Não durmo mais aqui. Muito barulho, muita zoeira. Ontem veio moça fazendo pergunta. Só respondi HUM. Não interessa. Tirou foto. Posei , mostrei minha boca banguela. Nhóoooooim! Moto. Muita moto. Já andei de moto. Gostei. Não gostei. Hoje frio. Sobrou pão. A moça deu chocolate. Cachorro comeu, passou mal. Bem feito, eu avisei.  Hum, carro de bacana, parece um caminhão pequeno. Faz Ruuuuuum. Hoje frio. Sono. Hoje mudança. Moça bonita, quero sonhar com ela. Hum. Pão, sobrou pão. Chocolate não. Hoje frio.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

ÁGUA

     São Paulo tem muita água. Qualquer obra que se faz, a água brota do chão. Cimentaram rios, constroem shoppings e estacionamentos sobre lençois freáticos. A mania de se concentrar tudo em obras faraônicas já se provou ineficiente, A arrogância dos fazedores de concreto não vai impedir que o chão se abra e a água cubras construções irresponsáveis. Cantareira é longe pra caralho. Como assim não tem água? Tá cheio de água em todo canto, é só furar o chão. Só o dinheiro explica . As empreiteiras mandam no país, são as maiores patrocinadoras de campanha dos dois maiores partidos. Políticos são fachada, são garçons que tiram pedido das corporações e podem ser substituídos rapidamente. A pior corrupção é dentro da lei, são contratos que definem para onde vamos. Não sabemos a quem recorrer, a culpa é sempre dos outros. Confundimos deputado com vereador, governador com prefeito. Não sabemos o que diz respeito a cada um. "Político é tudo ladrão" . "Não adianta." São ladrões de galinha que nos distraem das grandes negociatas milonárias, bilionárias e invisíveis. Continuamos tateando no escuro da nossa ignorância. Imagino como seria uma São Paulo toda cruzada por rios e árvores nas suas margens. Como já foi. Como devia ser.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

flash urbano n.8 - uma noite daquelas

     O Artista agora estava bem trincado e o queixo começava a ruminar feito um camelo. Já havia passado a fase falante, agora os olhos arregalados fitavam o teto. Um traço de luz surgia no horizonte, hora de fechar a cortina.  Seu companheiro de noitada olhava obsessivamente para o olho mágico, pressionando a pança na porta. Esquerda e direita, esquerda e direita. Na televisão, Law & Order.
De repente o Artista emerge de seu silêncio e pergunta:
-Acabou.
-Skol?
-Não.
-Putz...
-Eu sei quem tem.  - Tateou freneticamente na mesa de cabeceira até achar o telefone, enquanto trocava de canal. Parou em uma reprise de futebol. Copa do Mundo. O Massacre.
-Que merda, hein?  - e deu uma camelada com o queixo pra lá e pra cá, digitando o número.
-Pois é, nego. Deu ruim... - e voltou para o olho mágico.
-Alô? Betinho?


segunda-feira, 7 de julho de 2014

flash urbano n.7 - Evil Blonde

     Ela era bonita, bem bonita. Loura, corpão violão e um nariz tão perfeito que devia ser plástica, feita no mesmo médico da mãe. Queixo forte, um ar altivo de musa grega com samba no pé.  Cantava, dançava e representava. Vozeirão contralto metálico.  Ex-dançarina de programa de auditório, agora era corista de musicais.  Tirava selfies fazendo pose de gostosa enquanto aguardava a hora de entrar em cena. Talentosa e magnética, tinha um tempo de comédia foda e uma bunda de emocionar. Old school, sem anorexia. Com cintura. Peitos, perfeitos. Com certeza fodia muito, movimentos freestyle, repertório infinito, imaginação interativa.  Já passava dos trinta mas ainda recebia mesada. Namorava um prego que tinha a maior cara de corno. Trocavam declarações de amor em comentários do Facebook. Enquanto isso, ela anunciava a todos os colegas de trabalho que ia pegar fulano, que fulano era gato, fulano era gostoso, fulano tinha um pau enorme.  Mas fulano não queria nada com ela, que stalkeava diariamente seu perfil no Facebook com suas amigas  e colegas. Rastreavam perfis de amigos dele à cata de fotos e informações, até dos tempos do colégio. Diziam que ele era gay, que ele era bi, que ele era tarado, que era brocha, que era maluco. As supostas certezas mais variadas e contraditórias eram debatidas diariamente. Mas não era nada disso. Fulano era casado e não queria confusão. Fulano odiava aquele trabalho mas precisava daquele dinheiro. Fulano era estranho, preferia ficar sozinho, evitava o refeitório e às vezes até a máquina de café. Sofria de uma timidez quase patológica. Olhava para baixo para o nada em um ângulo de 45 º, imerso em seus pensamentos. Nunca sabiam quando estava viajando e quando estava prestando atenção.   Sua cota de malucas já tinha estourado. E colega de trabalho é roubada. Principalmente essa.  Ela salva bichinhos e maltrata pessoas. Faz Yoga, fala Namastê, gratidão, Ommm e o escambau e participa de linchamento virtual e blitzkriegs de bullyings . Seria o tipo de amante que, depois de dar o bote, entrega a cabeça do marido em uma bandeja para a esposa. Mas ele pagou o preço. Sentiu a crueldade vingativa da rejeitada até acabar o contrato de prestação de serviços naquele trabalho dos infernos, que quanto mais perto chegava do fim, mais lento o tempo parecia passar. Mas o tempo passou e nada aconteceu. O pior de tudo é que ele sabia que se ela chegasse junto mesmo em vez de só jogar confete, ele não poderia resistir.  Loura maldita.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Labirinto de Espelhos



 
    Era o começo dos anos 80, na época do show do Van Halen no Brasil. Estava em São Paulo para visitar minha bisavó e ir no Playcenter, passeio esperado há semanas. O Tivoli Park era sensacional, mas não havia comparação com a Montanha Russa do Playcenter. Ela tinha LOOP. 360º. Volta Completa. Desafiar a gravidade.   Mas o que me marcou mais foi o Labirinto de Espelhos.  Perder-se em corredores de ilusões e reflexos distorcidos. Entrei hesitante e consegui achar a saída em um minuto.
   - É só isso?Qual é a graça?
   Entrei de novo, decidido. Desta vez foi bem diferente. Desconfio estar lá até hoje.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

O melhor

    O melhor não tem registro. O que fica para a posteridade é uma tentativa de recriar aquele momento que ocorreu sem testemunhas. O melhor solo de guitarra foi no terceiro take do ensaio naquele estúdio xexelento em Botafogo. O melhor argumento para um filme surgiu e evaporou durante uma conversa enquanto se ouvia o interlocutor, esperando a hora de falar. A maior história de amor que nunca aconteceu foi com a moça digitando o celular na fila da padaria, que não viu o rapaz olhando para ela imaginando como iria abordá-la. O maior romance de todos os tempos não passou do terceiro parágrafo. A realidade é o baixo relevo na página de trás de um bloco de recados, onde mal se vê o que sobrou das páginas arrancadas.

terça-feira, 1 de julho de 2014

flash urbano n.6 - acontece muito

   Uma noite ela disse chega, bateu a porta de casa sem se despedir e saiu de carro sem saber para onde. Onze horas, não devia ter mais trânsito. Mas o carro a levou como que no piloto automático para a Vila Madalena, em plena Copa do mundo. O cheiro de mijo e a gritaria babélica invadiu a janela do seu carro. O trânsito parou e assim ficou por vinte minutos.  Saco cheio do trânsito, do trabalho, da família, da cidade, e do disco hipsterzinho que rodava em loop há uma semana. Gringos bêbados gritavam ao passar pelo carro da bela morena. Não, não tem cigarro. Começou a chorar.  -Não, seu babaca, eu não tô de TPM, vai tomar no cú!

segunda-feira, 30 de junho de 2014

ta ta pxxx 1

  Sua avó já dizia: "Mais vale um camarão na mão do que o que a onda leva". O Alzheimer já estava bem adiantado. Ou então ela tinha acabado de fumar um. Maconheira prevenida, a velha.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

pessoas

pessoas transparentes
atravesso seus corpos
leio suas mentes

pessoas enraivecidas
espumam entre dentes
salgam suas feridas

pessoas interessantes
somam camadas
silêncios diamantes






quarta-feira, 11 de junho de 2014

Tudo passa, já dizia Nelson Ned, inclusive o Facebook

   O Facebook vai passar. Às vezes me sinto como um crackudo que fuma pedra todo dia , sabe que é uma merda mas não consegue parar. Essa porra vicia. O feedback, a opinião dos outros, o que os outros estão fazendo. Antes eu me importava bem menos com os outros. Será que a Internet está promovendo mudanças nas configurações sinápticas dos meu neurônios?
    Me incomoda a vitrine pra vudu. Evito postar fotos de familiares. Me incomoda essa exibição de sucesso alheio, principalmente quando estou na merda. Me incomoda tanta ignorância política, tanta preguiça para ler textos e pressa para dar opinião. Me incomodam os ativistas compoulsivos sem senso de humor e sem noção. Me cansa o cinismo bronco que está tão na moda. Me incomoda o excesso de açúcar e mondo bizarro. Me incomodam os bichinhos fofinhos e as correntes. Me incomoda o narcisismo despudorado e sem assunto. Me incomoda ser amigo no facebook e não se cumprimentar na rua. Me incomodam mensagens de malas, me incomodam quando não respondem minhas mensagens e eu sou o mala. Me incomodam os trolls, apesar de estar treinando para ignorá-los no mundo virtual, especialmente quando são seus amigos na vida real.  Discutir no Facebook é um jeito lento de morrer. Me incomoda a espionagem escancarada e a venda de nossos hábitos de consumo para empresas. Me incomoda o design do Facebook. Me incomoda que a ânsia de explorar terrenos nunca dantes navegados na Internet tenha sido vencida pela conveniência, o condomínio com segurança, o sorria-você-está-sendo-filmado. Me incomoda a evasão de privacidade. Publicação de intimidades é um paradoxo que se dissolveu nos dias de hoje.
    Cheguei a ter 5 mil amigos, aceitava todos os convites, convidava a maior galera, pensando também como divulgação da minha pessoa jurídica, o artista Carlos Pontual. Aí quis filtrar. Comecei a cortar primeiro os que eu não tinha a menor ideia de quem fosse. Depois os que postam muita besteira ou são muito chatos. Às vezes corto quem vacila comigo na vida real ou eu achei que vacilou. Às vezes me arrependo. Penso em cancelar a conta de Facebook mas não o faço por causa do vício, da maldita conveniência e claro, por que não tenho coragem para isso.
    As coisas boas: praticidade, comunicação, a incrível facilidade de achar pessoas e de ser achado, contatos de trabalho, pesquisa, dicas de links de conteúdo, notícias em tempo real, discussões alheias e lembretes de aniversário. Esse é o grande lance. Lembretes de aniversário.


segunda-feira, 9 de junho de 2014

Uma noite no centro

    São Paulo, maio de 2012, Centro. Em pleno inferno astral e extremamente consciente  do pouquíssimo interesse do público pelo meu trabalho solo após minha saída de uma gig relativamente estável, - apesar da instabilidade do protagonista - me preparava para mais uma noite de puro amor à arte. Dois excelentes músicos pagos do meu bolso garantiam o suporte para meus delírios além do prejuízo econômico. O lugar era simpático, um bom cardápio de cervejas e sanduíches artesanais. Não havia palco nem iluminação específica para shows. A 100 metros uma esquina abarrotada de jovens tomando cerveja ignorava meu show. De público creio que poderia contar 8 ou 10 pessoas. A prioridade é exercitar o espetáculo, o show deve continuar. E gerar conteúdo. O produtor parceiro - ou seja, não ganhava nada - estaria de cameraman. Havíamos preparado dois sets, de aproximadamente 40 minutos cada um.  Vamos nessa.
     O show correu relativamente bem, musicalmente falando. Como o público diminuiu ainda mais ao longo do primeiro set, optei por fazer apenas um set, com uma mistura resumida do que seriam os dois. Na antepenúltima música, entrou no recinto um representante das criaturas da noite - pelas quais nutro simpatia - e começou a dançar e uivar durante um solo de guitarra em um sambarock. Nós músicos trocamos sorrisos mistos de resignação e curtição pelo absurdo da situação, e prosseguimos com o serviço. Eis que ao fim da última música, o bêbado deu uma pirueta e enfiou a cabeça na vidraça e desmaiou, ficando ali com a cabeça do lado de fora e o pescoço no vidro. Ninguém fazia nada, todos congelados com a situação. Eu larguei a guitarra, tirei o cara de onde estava girando seu corpo com cuidado e pousei sua cabeça no chão do lado de dentro da casa, perto das mesas. Rapidamente uma poça de sangue rodeou seu corpo. Ele parecia morto. Guardamos nossas coisas rapidamente . Em dez minutos a polícia chegou. Um dos PM entrou na bar, chegou perto e ficou olhando para o corpo estendido no chão por muitos segundos e disse :
 -Vamos chamar a perícia, disse.
   Já havíamos terminado de guardar nossos instrumentos e estávamos prontos para sair, tentando evitar o perrengue de depoimentos na delegacia, quando o cara acordou e sentou na calçada. O vidro não pegou na jugular.

https://www.youtube.com/watch?v=vnn0r6Zyh6A&hd=1




segunda-feira, 2 de junho de 2014

FLASH URBANO N. 5 - A paranóia muda de nome


         A paranóia muda de nome quando você realmente está sendo perseguido. Olhares, gestos  e comentários dos seguranças nas esquinas sempre que você passa. Indiretas dos porteiros. Babás cospem quando passam por você. Donas-de-casa neuróticas, aposentados armados, madames botocadas e ressentidas. Patricinhas em série, playboys fortinhos,  adolescentes ferozes apontando seus celulares multiuso.
        Ontem instalaram um cabeamento de Internet hoje aqui em frente. Foi estranho, o funcionário tinha uma camisa de uma operadora de celular e o carro de outra. Acho que a polícia está na jogada. A paranóia muda de nome quando você realmente está sendo perseguido. No dia seguinte, um coroa de óculos escuros ficou na frente da garagem esperando eu sair de carro pra anotar minha placa. Tinha a maior cara de cana. Estilo Dops, mas de baixo escalão. Eu não fiz nada, mas isso não importa. A paranóia muda de nome quando você realmente está sendo perseguido.
        "-Ele sabe!", eles dizem.  Meus olhares são fiscalizados. Meu olhar intenso transmite até o que não sinto.  Não posso olhar para o nada, não posso mais ficar distraído. Há sempre uma intenção previamente deduzida e dada como certa. Meu olhar é sempre para baixo, isso não vai mudar.  Óculos escuros seria admitir que estão certos, não preciso me proteger. Foda-se a minha fotofobia, agora é uma questão de honra.  Não é paranóia, não mais. A paranóia muda de nome quando você realmente está sendo perseguido.
        Desde a semana passada tem um helicóptero sempre me esperando quando paro meu carro no estacionamento do trabalho. Mas eu sei deles e fiz questão de mostrar que sei. A vaidade, sempre a vaidade. Minha capacidade de observação e dedução sempre foram excelentes, assim como a minha capacidade de abstração. Consigo ouvir 3 conversas ao mesmo tempo e posso não ouvir uma palavra do que me dizem diretamente na minha cara. Pessoas são tão transparentes, livros abertos que tenho preguiça de ler, pois já sei o fim e o autor é ruim. Eu não, eu sou imprevisivel, sou impenetrável. Nunca sabem quando estou alerta ou viajando nos meus pensamentos, olhando sem ver. Tenho que trabalhar nisso, usar a meu favor. Acenei para o helicóptero. Agora que eles sabem que eu sei, não sei o que vai acontecer. Mas estou tranquilo. Estou tranquilo, eu juro que estou tranquilo. Não é paranóia, não mais.     
      Essa semana quase não dormi, mas estou tranquilo, eu juro. Estou conseguindo trabalhar à base de café, muito café. Parei de fumar e não quero saber. Não tenho amigos no trabalho, não perceberam nada. Eu não fiz nada, juro que não. Eu sei que não devia ficar pensando nisso, mas agora é tarde. Eles que começaram, eu não fiz nada. Mas não perdem por esperar. A paranóia muda de nome quando você realmente está sendo perseguido.


sexta-feira, 30 de maio de 2014

invejas

  Além da óbvia inveja de quem consegue ganhar dinheiro com sua arte ou mesmo encher uma casa noturna de 30 pagantes para assistir um trabalho autoral, tenho outros alvos para esse sentimento tão familiar e sincero.
   Astronautas: O ser e o nada. Poeira de estrelas. Major Tom. 2001. Flutuar pelo nada por meses . Muitos livros. O casting é essencial, o clima big brother pode ser um problema. Mas a vista é imbatível.
   Surfistas: O sal, o sol, as ondas e as gatinhas bronzeadas que eu nunca peguei e nunca pegarei. Acordar cedo e ver a previsão do tempo, a direção do vento e tomar uma vitamina. Fazer exercício e se divertir ao mesmo tempo. Improvisar sobre o imprevisível. O mar e suas marés.
(O Surfista Preteado é uma mistura solitária das duas atividades, mas super-heróis são um outro assunto)
   Quadrinistas: liberdade total sem restrição de orçamento. Crítica política, ficção científica, comédia, putaria, vale tudo. Só tem que aprender a desenhar e escrever direito. Corto Maltese. Eu queria ser o Corto Maltese, sua moral ao mesmo tempo flexível e coerente. Suas viagens pelo mundo, suas mulheres exóticas e profundas, seus inimigos mortais, amigos eternos e sazonais  e seus aliados circunstanciais. Mas ele é quase um super-herói, aí não vale.
   Stand-ups: Usar fatos da vida real, questões, traumas, defeitos e purificá-los no fogo do riso de desconhecidos.
    Diretores de cinema: Eu queria ser John Cassavetes, ganhar dinheiro como galã de Hollywood e gastar tudo fazendo cinema autoral independente com os amigos, o que não dá um puto. Depois virar ídolo do Scorcese.
    Escritores:  Receber um adiantamento e se trancar em casa para escrever. De vez em quando o editor liga perguntando se já está pronto. Mark Twain manda evitar adjetivos, não consigo. Beckett fugiu da língua-mãe. Manoel de Barros assiste Chaves. O chato é noite de autógrafos, mas faz parte.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

A Galinha e o Dinossauro

   A galinha é descendente direta dos dinossauros que reinaram sobre a terra. Para sobreviver teve escolher entre a humilhação e a morte. Preferiu a vida sem as insígnias de outrora. Esqueça da imagem prosaica e subalterna que temos do galináceo. Esqueça das suas proporções modestas. Olhe para suas patas, notem as rugas de suas pernas. Imaginem o poder destruidor que retém seu DNA. Olhe para seus olhos arregalados. Não tem alma, como os do peixe, mas tem fogo. O olho de peixe não passa nada. O olho da galinha é olho de predador. Olhem para a crina do galo. Note os movimentos rápidos de sua cabeça. Note seu bico afiado e a força do seu grito. A galinha esconde a nobreza dos lagartos gigantes que reinaram sobre a Terra por milhares de anos.
    Diz uma lenda antiga que planejam retomar o que lhes foi roubado. Uma vez organizados, não teremos chance.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Mini Ensaio de ensaio sobre um Ensaio de Susan Sontag sobre Machado de Assis

   Antes de me atirar com fome ao texto,  sou tomado por um misto de surpresa e orgulho ao me deparar com um ensaio de Susan Sontag sobre Machado de Assis, principalmente sobre "Memórias Póstumas de Brás Cubas".  Como brasileiro nascido no século XX, muito me surpreende que uma ilustríssima autora estrangeira tenha interesse no nosso Machado de Assis, figura tão universal e importante quanto restrita aos nossos círculos literários e listas de leitura de escola.  Lidos por poucos brasileiros e quase por ninguém fora de nosso país. Woody Allen declarou ser seu autor preferido, o que me parece ser um choque de dimensões paralelas. Como assim, eles conhecem Machado de Assis? Eles não são brasileiros!
    Passeando brevemente pela singular biografia de Machado de Assis, Susan Sontag trata mais da originalidade da narrativa em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", uma fictícia e originalíssima autobiografia póstuma na qual o morto, na primeira pessoa, descreve sua vida medíocre com distanciamento irônico e em vários momentos falando com o leitor, como quando um ator em um filme sai da história e faz um comentário debochado diretamente para nós.  Emocionou-me particularmente a revelação de que após ter seu primeiro livro aprovado para publicação, o editor deu como certa a influência que esta teria sofrido do livro "Epitaph of a Small Winner" -título uma tanto explicativo demais da tradução norte-americana.  Como ela nada conhecia do autor, o editor deu de presente o livro e ela, após lê-lo, declarou sofrer uma influência posterior. Senti o mesmo ao conhecer a música de Horace Silver.
     Em Machado, segundo Susan Sontag, e  -acrescento - J.S. Bach, nota-se uma profunda certeza de um futuro reconhecimento póstumo. Delírios de grandeza ou consciência de uma missão, o fato é que estavam certos ambos em continuar ,independente das circunstâncias, produzindo em grande quantidade suas obras que só seriam reconhecidas na sua grandeza muito depois de suas vidas.
     Compartilho com Sontag a opinião em que qualquer fenômeno cultural pode ter uma análise apaixonada e profunda.  Mozart, The Doors, Tati Quebra-Barraco, Godard e novelas mexicanas, todos tem várias camadas. A paixão, profundidade e fluidez de sua prosa me cativa e me faz perguntar por que não a conheci antes.