segunda-feira, 30 de junho de 2014

ta ta pxxx 1

  Sua avó já dizia: "Mais vale um camarão na mão do que o que a onda leva". O Alzheimer já estava bem adiantado. Ou então ela tinha acabado de fumar um. Maconheira prevenida, a velha.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

pessoas

pessoas transparentes
atravesso seus corpos
leio suas mentes

pessoas enraivecidas
espumam entre dentes
salgam suas feridas

pessoas interessantes
somam camadas
silêncios diamantes






quarta-feira, 11 de junho de 2014

Tudo passa, já dizia Nelson Ned, inclusive o Facebook

   O Facebook vai passar. Às vezes me sinto como um crackudo que fuma pedra todo dia , sabe que é uma merda mas não consegue parar. Essa porra vicia. O feedback, a opinião dos outros, o que os outros estão fazendo. Antes eu me importava bem menos com os outros. Será que a Internet está promovendo mudanças nas configurações sinápticas dos meu neurônios?
    Me incomoda a vitrine pra vudu. Evito postar fotos de familiares. Me incomoda essa exibição de sucesso alheio, principalmente quando estou na merda. Me incomoda tanta ignorância política, tanta preguiça para ler textos e pressa para dar opinião. Me incomodam os ativistas compoulsivos sem senso de humor e sem noção. Me cansa o cinismo bronco que está tão na moda. Me incomoda o excesso de açúcar e mondo bizarro. Me incomodam os bichinhos fofinhos e as correntes. Me incomoda o narcisismo despudorado e sem assunto. Me incomoda ser amigo no facebook e não se cumprimentar na rua. Me incomodam mensagens de malas, me incomodam quando não respondem minhas mensagens e eu sou o mala. Me incomodam os trolls, apesar de estar treinando para ignorá-los no mundo virtual, especialmente quando são seus amigos na vida real.  Discutir no Facebook é um jeito lento de morrer. Me incomoda a espionagem escancarada e a venda de nossos hábitos de consumo para empresas. Me incomoda o design do Facebook. Me incomoda que a ânsia de explorar terrenos nunca dantes navegados na Internet tenha sido vencida pela conveniência, o condomínio com segurança, o sorria-você-está-sendo-filmado. Me incomoda a evasão de privacidade. Publicação de intimidades é um paradoxo que se dissolveu nos dias de hoje.
    Cheguei a ter 5 mil amigos, aceitava todos os convites, convidava a maior galera, pensando também como divulgação da minha pessoa jurídica, o artista Carlos Pontual. Aí quis filtrar. Comecei a cortar primeiro os que eu não tinha a menor ideia de quem fosse. Depois os que postam muita besteira ou são muito chatos. Às vezes corto quem vacila comigo na vida real ou eu achei que vacilou. Às vezes me arrependo. Penso em cancelar a conta de Facebook mas não o faço por causa do vício, da maldita conveniência e claro, por que não tenho coragem para isso.
    As coisas boas: praticidade, comunicação, a incrível facilidade de achar pessoas e de ser achado, contatos de trabalho, pesquisa, dicas de links de conteúdo, notícias em tempo real, discussões alheias e lembretes de aniversário. Esse é o grande lance. Lembretes de aniversário.


segunda-feira, 9 de junho de 2014

Uma noite no centro

    São Paulo, maio de 2012, Centro. Em pleno inferno astral e extremamente consciente  do pouquíssimo interesse do público pelo meu trabalho solo após minha saída de uma gig relativamente estável, - apesar da instabilidade do protagonista - me preparava para mais uma noite de puro amor à arte. Dois excelentes músicos pagos do meu bolso garantiam o suporte para meus delírios além do prejuízo econômico. O lugar era simpático, um bom cardápio de cervejas e sanduíches artesanais. Não havia palco nem iluminação específica para shows. A 100 metros uma esquina abarrotada de jovens tomando cerveja ignorava meu show. De público creio que poderia contar 8 ou 10 pessoas. A prioridade é exercitar o espetáculo, o show deve continuar. E gerar conteúdo. O produtor parceiro - ou seja, não ganhava nada - estaria de cameraman. Havíamos preparado dois sets, de aproximadamente 40 minutos cada um.  Vamos nessa.
     O show correu relativamente bem, musicalmente falando. Como o público diminuiu ainda mais ao longo do primeiro set, optei por fazer apenas um set, com uma mistura resumida do que seriam os dois. Na antepenúltima música, entrou no recinto um representante das criaturas da noite - pelas quais nutro simpatia - e começou a dançar e uivar durante um solo de guitarra em um sambarock. Nós músicos trocamos sorrisos mistos de resignação e curtição pelo absurdo da situação, e prosseguimos com o serviço. Eis que ao fim da última música, o bêbado deu uma pirueta e enfiou a cabeça na vidraça e desmaiou, ficando ali com a cabeça do lado de fora e o pescoço no vidro. Ninguém fazia nada, todos congelados com a situação. Eu larguei a guitarra, tirei o cara de onde estava girando seu corpo com cuidado e pousei sua cabeça no chão do lado de dentro da casa, perto das mesas. Rapidamente uma poça de sangue rodeou seu corpo. Ele parecia morto. Guardamos nossas coisas rapidamente . Em dez minutos a polícia chegou. Um dos PM entrou na bar, chegou perto e ficou olhando para o corpo estendido no chão por muitos segundos e disse :
 -Vamos chamar a perícia, disse.
   Já havíamos terminado de guardar nossos instrumentos e estávamos prontos para sair, tentando evitar o perrengue de depoimentos na delegacia, quando o cara acordou e sentou na calçada. O vidro não pegou na jugular.

https://www.youtube.com/watch?v=vnn0r6Zyh6A&hd=1




segunda-feira, 2 de junho de 2014

FLASH URBANO N. 5 - A paranóia muda de nome


         A paranóia muda de nome quando você realmente está sendo perseguido. Olhares, gestos  e comentários dos seguranças nas esquinas sempre que você passa. Indiretas dos porteiros. Babás cospem quando passam por você. Donas-de-casa neuróticas, aposentados armados, madames botocadas e ressentidas. Patricinhas em série, playboys fortinhos,  adolescentes ferozes apontando seus celulares multiuso.
        Ontem instalaram um cabeamento de Internet hoje aqui em frente. Foi estranho, o funcionário tinha uma camisa de uma operadora de celular e o carro de outra. Acho que a polícia está na jogada. A paranóia muda de nome quando você realmente está sendo perseguido. No dia seguinte, um coroa de óculos escuros ficou na frente da garagem esperando eu sair de carro pra anotar minha placa. Tinha a maior cara de cana. Estilo Dops, mas de baixo escalão. Eu não fiz nada, mas isso não importa. A paranóia muda de nome quando você realmente está sendo perseguido.
        "-Ele sabe!", eles dizem.  Meus olhares são fiscalizados. Meu olhar intenso transmite até o que não sinto.  Não posso olhar para o nada, não posso mais ficar distraído. Há sempre uma intenção previamente deduzida e dada como certa. Meu olhar é sempre para baixo, isso não vai mudar.  Óculos escuros seria admitir que estão certos, não preciso me proteger. Foda-se a minha fotofobia, agora é uma questão de honra.  Não é paranóia, não mais. A paranóia muda de nome quando você realmente está sendo perseguido.
        Desde a semana passada tem um helicóptero sempre me esperando quando paro meu carro no estacionamento do trabalho. Mas eu sei deles e fiz questão de mostrar que sei. A vaidade, sempre a vaidade. Minha capacidade de observação e dedução sempre foram excelentes, assim como a minha capacidade de abstração. Consigo ouvir 3 conversas ao mesmo tempo e posso não ouvir uma palavra do que me dizem diretamente na minha cara. Pessoas são tão transparentes, livros abertos que tenho preguiça de ler, pois já sei o fim e o autor é ruim. Eu não, eu sou imprevisivel, sou impenetrável. Nunca sabem quando estou alerta ou viajando nos meus pensamentos, olhando sem ver. Tenho que trabalhar nisso, usar a meu favor. Acenei para o helicóptero. Agora que eles sabem que eu sei, não sei o que vai acontecer. Mas estou tranquilo. Estou tranquilo, eu juro que estou tranquilo. Não é paranóia, não mais.     
      Essa semana quase não dormi, mas estou tranquilo, eu juro. Estou conseguindo trabalhar à base de café, muito café. Parei de fumar e não quero saber. Não tenho amigos no trabalho, não perceberam nada. Eu não fiz nada, juro que não. Eu sei que não devia ficar pensando nisso, mas agora é tarde. Eles que começaram, eu não fiz nada. Mas não perdem por esperar. A paranóia muda de nome quando você realmente está sendo perseguido.