terça-feira, 14 de abril de 2015

exercício de descrição de personagem n.1

    Chegou a alcançar algum sucesso em algum período distante. Autógrafos semanais, compras à vista, contas de restaurante pagas em cash. Mas nunca deixava que as circunstâncias lhe embotassem a certeza de que tudo passaria. Sabia que não fazia parte daquele universo sorridente, era um passe com prazo de validade. Não esperou ser despedido, se adiantou e pediu para sair. Seu talento era tão grande quanto a sua incompetência social. Não sabia fazer política, alternava entre o desprezo e carência. Idolatrava em segredo a figura do gênio incompreendido. Se fazia de cínico mas na verdade era um romântico. Seu ego grande e frágil precisava de aprovação constante. Era como um balão furado que precisava sempre ser enchido. Depois de dois anos e meio de delírios artísticos sem reconhecimento algum teve que se render a um trabalho que seria absolutamente inimaginável em outros tempos. Nada como o dia-a-dia para mostrar como as coisas são.  Acabaram as reservas e as contas continuavam chegando.
    Boatos sobre a sua sexualidade eram de uma variedade impressionante. Seu olhar era tão expressivo que expressava até o que não sentia, incendiando fantasias alheias. Estava na boca do povo. O nome queimado na praça. Sua vaidade não permitia que ignorasse as opiniões dos outros tanto quanto gostaria. Seguia em sua especialidade: Balzaquianas. Mulheres na casa dos 30 e 40 tem o equilíbrio entre o savoir-faire e o viço da juventude.  O frenesi e a falta de assunto das muito jovens lhe entediava. Precisava de uma boa conversa. Precisava de história, queria mulheres com passado.  Em festas se arrastava acuado pelas paredes mas era imbatível em um Petit- Comitê. Em uma mesa de bar era um virtuose. Seu conhecimento superficial sobre uma variedade absurda de assuntos e suas tiradas mordazes não deixavam pedra sobre pedra. Elas caíam feito moscas. Seu rosto quase bonito não atrapalhava. Não era um cafajeste, quase não mentia. O leve desespero pela maternidade incentivava nelas uma objetividade muito peculiar e proveitosa, que ele aproveitava com discrição e até alguma sinceridade.  Cartas na mesa, sempre. Considerava a sequência de mulheres como uma espécie de compensação pelas dificuldades que a vida dura lhe trazia. Dificuldades filosóficas principalmente. Vivia de renda, possuía alguns apartamentos que herdara e alugava. Não precisava de luxo, vivia quase como um monge, tirando a parte do celibato. Os porteiros não conseguiam decifrar aquele enigma. Era tema diário de discussões de calçada. Faziam até apostas.

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