segunda-feira, 11 de maio de 2015

Um poeta

   Apesar da torneira da água quente já estar dando sinais de cansaço e necessitar de um macete que só ele sabia para fechá-la totalmente, ainda era uma Jacuzzi. Apesar da gritaria interminável da maldita escola de playboys, do campo de futebol do prédio vizinho e no estacionamento, palco de debates diários, todos ao redor, era um belo apartamento. Grande, arejado e com algum horizonte, coisa rara naquela cidade.  Saiu do banho imbuído de uma vontade de escrever. Era um poeta. Nunca havia publicado nada mas era poeta, sabia no seu íntimo. Quando andava na rua e os porteiros e seguranças o xingavam, era um poeta. Um artista incompreendido. Quando os adolescentes tiravam fotos suas às gargalhadas de escárnio, sabia que era um poeta. Antes de abrir o gás, deixou um bilhete que dizia:
   -Vocês não sabem de nada.