quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Ciclos

     Acreditava em ciclos. Escolhera acreditar em ciclos. A ilusão da existência de padrões serve como um placebo para a vida e seus descaminhos. Escolher acreditar que uma pílula de açúcar contenha o remédio de que precisa. E essa fé promove processos químicos em seu cérebro que realmente melhoram sua condição. Conseguia felizmente com que a consciência do processo não diminuísse seus efeitos.
     Os ciclos de sete anos pareciam uma bom sistema. O número sete carrega uma mística misteriosa da qual se ouve falar vagamente mas não se sabe detalhes. Ciclos pessoais, profissionais, revolução astral, o escambau. Ceticismo pode ser sexy mas é muito linear. Tudo tem explicação. Tinha simpatia pelo caos, a evolução vinda da tentativa e erro através dos tempos. Darwin, Dawkins, Namedroppings. Era amigo do caos, convivia com o caos. Mas preferia desconfiar de uma ordem secreta. O Karma é uma ideia muito sedutora, muito mais do que o vaidoso culto da personalidade promovido pela Reencarnação. Um bumerangue cósmico acende referências de quadrinhos da Marvel dos anos 60. Um Karma orgânico, autogerido como um coral marinho. Uma colônia. O Universo como um organismo. Sem comissão julgadora. Punições atravessando gerações lhe pareciam uma ideia ingênua. A consciência de um erro pode ser sua própria punicão. A consciência do acerto como porta de entrada para um grande salão iluminado e silencioso. A paz interior como recompensa pela paz interior. Felicidade é silêncio. Todas as religiões seriam  metáforas, fábulas com moral e não manuais de instruções para a vida. A interpretação de texto como porta para dimensões superiores de consciência. A palavra como mágica. A palavra escrita como tatuagem. A palavra dita como presença física. Um corpo de som. A palavra cantada como hipnotismo.
      Escolhera acreditar na paixão, essa obsessão sazonal que tanto foi reverenciada na literatura e que, de tanto ouvimos falar de seus efeitos, aprendemos a criá-la, alimentá-la e senti-la. Ao mesmo tempo que identificava seus processos e suas distorções, abraçava seus efeitos como se inevitáveis. Comprando um ingresso para a montanha russa.  Não sabemos de nada, mas podemos escolher a rádio que toca enquanto dirigimos nossos carros na estrada da vida. Clichês e metáforas com sua eficiência implacável , ainda que mal-vestidos.
       Tinha uma noção superficial das escolas de filosofia, o pouco que lera apontava direções que já havia pensado por si só. Secretamente se parabenizava e preferia ler ficção, poesia e história. Mas o Estoicismo despertava sua simpatia. A vida não lhe deve nada, meu amigo.

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