quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Chato

    Não havia jeito. Achava o cara insuportável de chato. E o fato deste ser gente boa, sempre com a melhor das intenções, o tornava pior ainda. Era como a raiva daquele que recebia ajuda constante por quem o ajudava. "-Quem você pensa que é para me ajudar assim?" "- Como ousa tornar-se tão necessário logo agora que eu preciso tanto?" Era como a fábula da sapo e do escorpião. O escorpião não podia lutar contra a sua natureza. Era além da moral, além do julgamento. Era como aquela canção que dizia "Te perdôo por te trair."
    Quando o chato gente fina começava a falar, a mente do incomodado com sentimento de culpa imediatamente começava a se afastar para longe dali, com um sorriso falso e sutil. Não havia o que fazer, sua boa índole e sua culpa cristã não o permitiriam destratar o chato. Ele não tinha culpa em ser assim. Era de nascença. Talvez de formação. Como assim não tinha culpa? Ele ria e explicava as próprias piadas. Ele sempre ajudava os colegas de trabalho. Ele nunca fazia nenhum comentário sarcástico. Ele era querido por todos. Ele tinha objetivos óbvios. Ele queria salvar o planeta. Ele devia se vestir de Super-Herói e ajudar velhinhas a atravessar a rua, resgatar gatinhos do alto de árvores. Mala do caralho. Ou então era tudo fachada. Na calada da noite ele saía de carro com placa adulterada para atropelar transeuntes distraídos e anotava as baixas em um moleskine amassado, como troféus secretos. Aí sim o tédio do incomodado poderia se desenvolver livremente até uma raiva decente, que cobraria atitudes mais pro-ativas.
     Uma vez - quão ousado! - resmungara sozinho 10 metros após se despedir:
 "-Puta cara mala, meu!" Depois, culpado, olhou em volta para se certificar que ninguém tinha ouvido o desabafo. Chegou a olhar para trás. O chato sorriu e acenou. RAIOS!

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