segunda-feira, 28 de março de 2016

luzinete não parava de cantarolar em bocca chiusa

 Luzinete não parava de cantarolar em boca chiusa. Eram improvisos em tom maior que pareciam hinos religiosos. Não tinham ritmo definido e não havia um padrão a ser reconhecido nas melodias. Eram notas jogadas em mmmm e nananana. Sempre alegres e vagos, cantados em uma espécie de transe, enquanto Luzinete cozinhava, lavava a louça e fazia a faxina da casa. Eu trabalhava na sala, tentando escrever ao piano. E não conseguia, os murmúrios vagamente alegres, induziam a uma hipnose como um cheiro vindo da rua, do qual não se podia fugir. Atravessava as frestas. Não poderia pedi-la para parar, eu estava morando de favor. Não era eu quem pagava seu salário. E quem sou eu para pedir para uma pessoa não cantar enquanto trabalha? Não seria capaz de tamanha crueldade. Mas era chato pra caralho, puta que pariu! Não adiantava fechar a porta, sua voz de contralto era potente.  Tinha um timbre bonito e era extremamente afinada, o que tornava mais difícil ainda qualquer represália. Era enlouquecedor. O dia inteiro esse murmúrio atravessando as paredes por toda a casa. Ah, Luzinete. 16h ela vai pra casa. Não vou conseguir fazer nada. Vou pro bar.

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